O "problema"

Há pouco mais de uma semana ocorreu um incidente na 3ª série do Ensino Médio do Colégio envolvendo o Twitter e o Facebook. As redes sociais foram o veículo de mensagens hostis de alguns alunos contra bolsistas considerados “estranhos” e responsáveis pela “perda da identidade” da instituição. Um dos indivíduos atingidos pela crítica mordaz do colega respondeu indagando a respeito desta tal identidade: qual seria ela? Quem faria parte desta identidade?
Este evento não é isolado e, assim como outros, foi minimizado pelas instâncias diretivas. O corpo docente normalmente se divide entre os escandalizados e os indiferentes, alguns tentam realizar ações pontuais segundo o estilo “sermão moralizador/moralista” enquanto outros optam por considerar tudo como “coisa de adolescente”. Em ambos os casos fica patente a ineficácia, quando não oferecem a permissividade necessária para a propagação de preconceitos.
A existência dos alunos bolsistas entendidos como “os outros” em oposição aos não bolsistas – “nós” – cria hostilidades veladas ou explícitas em quase todas as turmas. Durante as aulas esta rivalidade emerge quando são discutidos assuntos como racismo no Brasil, cotas raciais ou sociais, classes sociais e combate à exploração, desigualdade social e regional no Brasil. Nestes momentos, afloram todo tipo de preconceito desde a associação clássica negro-pobre-bandido até reedições locais de opções estrangeiras como a sugestão de construção de muros separando uns e outros dentro do mesmo território.
Considerando que Theodor Adorno estava plenamente correto ao defender que a memória do Holocausto serviria para evitar que novas atrocidades contra os direitos humanos acontecessem, é fato que a morte dos judeus, ou dos nativos americanos, ou dos ciganos, ou o Apartheid sul-africano por si só não combatem os preconceitos brasileiros. Identificar a existência do preconceito na sociedade tampouco parece eficiente, pois se mantém o distanciamento da realidade ou a negação de pertencimento a esta mesma realidade (há racismo/não sou racista).
Como então trabalhar esta temática de modo a romper esta dicotomia “nós” e “eles”? Como derrubar esses muros existentes entre esses alunos? Como buscar uma identidade inclusiva e plural? E, por fim, como romper com prováveis mentalidades familiares reproduzidas pelos adolescentes como verdades naturalizadas?
Frente ao desafio de circunscrever as questões anteriormente levantadas ao universo da sala de aula, optarei por trabalhar a tríade racismo/preconceito social/identidade coletiva como parte do conteúdo programático da disciplina História para a 2ª série do Ensino Médio. Assim, aproveitando-se discussões a respeito do trabalho escravo no Brasil bem como as reflexões a cerca da formação da(s) identidade(s) nacional(ais) estabelecerei como meta de trabalho o pensar o microcosmos da sala de aula. O espaço coletivo da escola seria, então, um laboratório social equivalente (dentro do possível) ao cenário brasileiro.
Esta disposição significa, também, que a temática será trabalhada em ao menos duas dimensões interpessoais: aluno-professor e aluno-aluno, com foco nesta última. Enfatizo, no entanto, meu desejo de fugir a dogmatismos ou preleções moralistas tanto devido à crença pessoal sobre a ineficiência de tais abordagens quanto pela necessidade de fazer aflorar nos alunos a reflexão crítica. Em outras palavras, pretendo problematizar a questão e gerar o máximo de desconforto possível, para então caminhar para a orientação da reflexão pela pesquisa e pelo debate.

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