Considerações teóricas

A abordagem do tema em questão – preconceito sócio-racial entre alunos bolsistas e não-bolsistas no Colégio – tomará como ponto de partida as ponderações de Antunes e Zuin (2008). Estes autores argumentam que apesar do aumento significativo dos estudos sobre violência no universo escolar e o recente boom de reflexões a respeito do bullying não há um avanço digno de nota no combate a estas manifestações de hostilidade e crescente agressividade. Soma-se a isto a constatação de que o termo em inglês acaba por afastar uma conceituação muito cara ao Brasil, qual seja a de preconceito. 
A identificação do fenômeno bullying e sua tipificação não colaboram per se para seu combate efetivo, visto que frequentemente opta-se por um genérico “educar para a paz” a partir de imperativos morais do tipo “não faça aos outros o que não deseja que façam a você”. Seguindo a Teoria Crítica e os estudos de Theodor Adorno e Max Horkheimer desenvolvidos no âmbito da Escola de Frankfurt, os imperativos morais apenas reforçam o modelo não-emancipatório da ciência e da educação como preconizados desde finais do século XVIII. A “razão contemporânea” de matriz positivista acaba por naturalizar fenômenos sociais em seu afã de tipificar, estabelecer leis e transformar em dados estatísticos. Este proceder segue a lógica do “conheço, logo domino”, por mais fugaz que seja o domínio em si. Assim, uma educação que combata preconceitos deve partir justamente do desejo de emancipar, buscando a criação de uma consciência verdadeira, fruto da razão dos educandos e não de construtos coletivos de matriz moralizante. 
É importante, igualmente, destacar a natureza do preconceito, especialmente no caso brasileiro. A conceituação geral de Jahoda e Ackerman (Apud ANTUNES e ZUIN, 2008) define preconceito como uma atitude de hostilidade nas relações pessoais dirigida contra um grupo ou indivíduo parte do mesmo. Seguindo raciocínio semelhante Allport (Apud PINHEIRO, 2011) afirma que o preconceito envolve um pensar negativo sobre o outro sem que aja conhecimento sobre ele o que acarreta inevitável generalização categórica. O autor ainda destaca que o prejulgamento é natural do ser humano com base em necessidades biológicas e evolutivas. No entanto, quando este prejulgamento assume forma de preconceito torna-se irreversível mesmo diante de conhecimentos particulares. 
Estas definições são quase consensuais entre especialistas e também tocam o senso comum. Devemos, no entanto, acrescentar a advertência de Pinheiro (2010), para quem estas generalizações descritas como fundamentais para a formação de uma postura preconceituosa não resulta de uma construção solitária. Portanto, há um fundo de cultura que une as generalizações particulares aos demais indivíduos de um grupo social. Logo, os estereótipos são um produto cultural, de modo que atacá-los significa agir sobre concepções coletivas e, não raras vezes, arraigadas em determinada comunidade. Daí deriva o fato de as definições teóricas aplicarem-se sempre aos estudos sobre preconceito, porém é imprescindível que se delimite o campo das particularidades tanto no que se aplica ao Brasil quanto ao próprio Colégio como um microcosmos da sociedade brasileira.
Como bem destacou Graciano (1976) ao comentar a obra de Dante Moreira Leite, o preconceito possui a função de interpretar as ações dos outros ao mesmo tempo em que favorece a manutenção da estabilidade social em sistemas onde existem desigualdades de condições. Em outras palavras, “na medida em que se cristalizam as noções sobre inferioridade psicológica em função da raça ou sexo, justificam-se o domínio, a opressão, as oportunidades desiguais” (p. 11). 
Acrescento a este conjunto a especificidade do Colégio tomando como base as reflexões de Dante Moreira Leite sobre o “caráter nacional brasileiro”. Por trás do mito da “democracia racial”, fruto da leitura enviesada da obra do sociólogo Gilberto Freyre, acaba-se por cristalizar a inferioridade psicológica também pela condição socioeconômica, evidente em nosso caso na condição de bolsistas dos alunos oriundos de escolas públicas do bairro. Independente da “raça”, mas não necessariamente sem retomar este argumento, o preconceito manifesta-se no esquema clássico “nós versus eles” ou partindo-se da sempre controversa e subjetiva definição de “normal”. Nesta discussão a respeito da alteridade, o outro bolsista seria sempre o “anormal” no ambiente que não lhe é “natural”. 
Por fim, julgo necessário fazer uma advertência quanto ao uso do termo “sócio-racial” para qualificar o preconceito identificado no Colégio e no Brasil. Esta expressão carece de maior fundamentação teórica, mas preferi tratar como um binômio indissociável a face social da racial. Não é minha intenção suavizar o componente étnico do preconceito no Brasil, mas destacar que o racismo aqui presenciado possui forte apelo social. Deste modo, não se trata apenas de ser “negro” ou “indígena”, mas também ser “pobre”, como se um estigma se misturasse ao outro enquanto sinônimos auto-explicativos. O outro extremo seria a velada inferência de que todo “rico” é “branco”. Isto se dá, entre outras razões, devido ao passado escravista do Brasil e um longo histórico de descaso público tanto com as populações de ex-escravos quanto com as camadas mais baixas da sociedade em geral. 
No Colégio, por sua vez, percebe-se com clareza esta relação complexa entre perfil socioeconômico e o componente racial. Nem todos os bolsistas são negros ou se identificam com uma origem afrodescendente, mas todos os não brancos ou asiáticos são bolsistas e compartilham com os demais a condição de “outro” no interior da sala de aula. Portanto, diante da dificuldade de se definir qual face do preconceito prevalece, se é que isto é relevante, seguirei tratando o conceito como abrangente e ligado a sua origem histórica.

A partir desta fundamentação teórica partirei para a definição de um conteúdo programático da disciplina História voltado para a 2ª série do Ensino Médio que valorize e explicite justamente a construção do controverso “caráter nacional”. Ou seja, trabalharemos com a questão da escravidão no Brasil, a formação da cidadania e o pensamento conservador e racista do século XX. No entanto, a problematização da temática partirá do princípio segundo o qual o aluno deverá lidar com dados, reflexões e polêmicas buscando a emancipação propalada por Adorno e Horkheimer. Neste sentido o professor fará as vezes de orientador de estudos e instigador de polêmicas e reflexões, evitando o discurso moralizante.


De modo sucinto e retomando a reflexão estabelecida até o momento, enfatizo abaixo os objetivos do presente projeto:
  • Evidenciar o preconceito sócio-racial existente no Ensino Médio do Colégio. 
  • Promover a reflexão, discussão e re-significação do preconceito. 
  • Estudar os conteúdos programáticos previstos para história do Brasil e do Mundo sob a ótica do ambiente escolar específico e atendendo às suas demandas. 
  • Promover a reflexão crítica enquanto método e prática correntes.

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